Friday, April 13, 2012

Katinka Bock por Nuno Crespo















Katinka Bock, Winterlandschaft mit Hut, 2011


Desconhecida do público português Katinka Bock (n. Frankfurt am Main, 1976) trabalha essencialmente com escultura. Entendendo-se aqui escultura num sentido “expandido” e assumindo que a escultura se caracteriza pela construção de situações espaciais e não um conjunto de objectos mais ou menos figurativos e essencialmente rememorativos.
A exposição em Lisboa é misteriosa, poética, contida e rigorosa. Não existe uma narrativa ou uma tese que a artista explore através das suas obras, mas trata-se da sucessão de corpos sensíveis (que é um nome possível para as esculturas) em que diferentes elementos da disciplina da escultura são minuciosamente tratados. Ou seja, a cada peça Katinka Bock explora os conceitos habituais da escultura: forma, gravidade, corpo, tensão, composição, monumento, etc. E esta exploração não reenvia as suas obras para uma região de apropriação ou de diálogo directo com a tradição, mas obriga ao estabelecimento de um diálogo crítico com a história da linguagem utilizada por esta artista.
Não se está face a um caso de citação ou apropriação de momentos exemplares, mais ou menos complexos, da história da arte, mas da exploração do sentido mais profundo do modo como um gesto (da cultura ou da natureza) pode transformar o espaço. A sucessão das obras nas salas provoca uma experiência de imersão nesse universo de forças subtis que se tentam materializar num movimento ou numa forma: uma sucessão ao jeito de um longo “travelling” cinematográfico que resulta num percurso feito não através das obras, mas por dentro das obras como quem persegue um caudal de água que, subterraneamente, atravessa uma planície. As passagens entre as salas prometem e antecipam essa continuidade e, assim, entre a areia feita chão de “Atlantic” (2012), a madeira esculpida de “Personne” (2012) e o calcário e o chapéu de feltro de “Winterlandschaft mit Hut” (2011) há uma afinidade e uma continuidade que não admite rupturas. Não é uma “obra de arte total”, mas é como se as diferentes esculturas (entendidas como formas materiais individuais) fossem cristalizações momentâneas que depois se dissipam num todo, numa unidade ou absoluto.
O espectador, obrigado a assumir uma posição no interior da obra, vê-se implicado na materialidade da escultura e nos acontecimentos promovidos pelas obras e nesse encontro descobre que a metamorfose a que a artista sujeita as diferentes matérias e “coisas” não resulta de nenhum tipo de virtuosismo ou imprecisão, mas, como um poeta, os seus gestos são mínimos e reflectem, sobretudo, um modo de pensar. E é o desenvolvimento deste pensamento, no seu confronto com o potencial plástico e expressivo da matéria, que interessa.
O processo de Katinka Bock caracteriza-se, maioritariamente, por deslocações de formas ou materiais do quotidiano: muitas vezes a artista utiliza materiais encontrados e a forma (a qual pode ser tão subtil como uma tensão) surge das relações que as diferentes coisas estabelecem entre si. Como escreve o curador da exposição Miguel Wandschneider no texto de apresentação da exposição: “uma preferência por materiais simples e uma rigorosa economia de gestos e de procedimentos na manipulação desses materiais.” Os quais podem ser tão distintos como areia, barra de ferro, bloco de cadeira, barro, gesso, tecido, bronze, chumbo, etc.
Não se trata de forçar uma relação ou uma composição harmoniosa entre objectos de matérias e famílias diferentes, ou de sublinhar a sua filiação nas possibilidades escultóricas herdadas do modernismo, mas de estabelecer um diálogo e observar o que nasce dessa relação.
Aquelas relações encontram no conceito de jogo a sua melhora apresentação. O qual não tem aqui um sentido didáctico, mas designa o esforço da artista em conquistar o equilíbrio entrea organicidade e geometria, natureza e cultura. Assim, pode dizer-se que estes trabalhos vivem de deslocamentos e equilíbrios e que o seu propósito é accionar uma certa experiência espacial, o que é o mesmo que dizer: por em movimento um certo modo de pensar acerca do espaço enquanto realidade orgânica, geométrica e conceptual.

*texto públicado no suplemento Ípsilon, do jornal Público