Saturday, March 22, 2008

Borremans: Notável

Cine-pintura e o ponto de vista do pintor







Depois da apresentação no prestigiado De Appel em Amsterdão, apresenta-se agora no CAV "Weight” de Borremans, literalmente peso, que é uma exposição de pintura. É neste género que se inscreve o modo como olha para os corpos, gestos e objectos que compõem o seu campo visual. Tudo surge numa relação intensa com o espectador e inserido num lógica de composições pictórica.

Nesta co-produção entre as instituições holandesa e portuguesa, apresenta-se uma relação inédita entre vídeo e pintura o que faz desta exposição um momento singular no pensamento sobre a natureza daquilo que é a pintura.

Ainda que se trate sempre de pintura, as obras desta exposição têm nos objectos vídeo e pintura as suas materializações, porque mesmo os primeiros são assumidos, e percebe-se bem porquê, como filmes-de-pintura. A premissa é que o que determina estas obras — ocupadas com temas clássicos do corpo, suas máscaras e gestos — é que não existe qualquer tipo especialização num único meio, mas que o predomínio é o do ponto de vista da pintura. Fazem-se transições entre os diversos suportes e percebe-se que a questão deste trabalho não está na especificidade dos meios, i.e., no carácter problemático das diferentes disciplinas artísticas, mas na atmosfera que transita em todas as instancias de materialização do olhar.

Não significa que entre o desenho, a pintura e o vídeo se possa estabelecer uma relação de igualdade, mas entre eles podem fazer-se rápidas sucessões e transições onde aquilo que se apreende diz respeito a um determinado modo de fazer nascer as figuras. Este traduz-se, no caso de Borremans, numa arte que vem de longe. A atmosfera que envolve cada um dos “temas” dos seus trabalhos tem ressonâncias ancestrais, recebe ecos dos tempos em que o olhar se espantava com a possibilidade do gesto, inscrito numa folha ou numa tela, se poder transformar numa imagem, numa representação, num fragmento do mundo. No limite, trata-se do fazer antigo da pintura.

Como escreve Delfim Sardo no catálogo da exposição, está em causa um fazer que se radicaliza “no corpo e na sua representação, não a partir da metamorfose, mas sobre a sua alteração do adereço, do gesto, da atitude e globalmente assente sobre o carácter subtil, débil e por vezes patético do pormenor.”

Os filmes deste artista adensam a trama contemplativa destas figuras: são filmes circulares e hipnóticos, aos quais escapa a lógica narrativa habitualmente associada à imagem em movimento. O isolamento natural dos seus personagens — irremediavelmente sós e sem redenção possível — destituí-os de quaisquer qualidades psicológicas e a única densidade que lhes é possível vem da espessura da tinta, da iluminação da sua volumetria, do contraste entre fundo e superfície, ou seja, do seu interesse enquanto matéria para a pintura.

A frieza destas pinturas é a sua coroa de espinhos e de glória. Por um lado, assume a as figuras pintadas como máscaras metafísicas da morte — os personagens de Borremans inscrevem-se numa zona limiar entre a vida e a morte, o real e o fantasmagórico, o espectro e o orgânico —, diria Genet: trata-se de uma arte destinada à imensa comunidade dos mortos. Por outro lado, celebra a figura humana como tema imortal da arte, lugar do fascínio do olhar e que seduz continuamente o gesto do artista.




Weight
Michaël Borremans
Comissário: Delfim Sardo
Centro de Artes Visuais de Coimbra
De ter. a dom. das 14h às 19h
Até 8 de Junho

exte texto foi publicado, numa versão mais reduzida no DN

No comments: