INAUGURA NA PRÓXIMA TERÇA-FEIRA, DIA 27, ÀS 22H NO PAVILHÃO BRANCO DO MUSEU DA CDADE (CAMPO GRANDE, 245, LISBOA) A EXPOSIÇÃO DE PIRES VIERA
Saturday, May 24, 2008
Sunday, May 11, 2008
Lygia Pape em Lisboa
Fios de ouro para guardar os corpos dos homens
Como escreve Fernando Cocchiarale num texto sobre a artista: “entre as tradições populares, cultivadas pelo realismo social, dominante na arte do país, que tornava os artistas reféns do passado, e a disciplina inerente ao construtivismo, que lhe permitia projectar o futuro, preferiu correr os riscos de apostar no novo.”
Pape esteve, com Lygia Clark e Hélio Oiticica entre outros, na frente do movimento de vanguarda (1950-1960) mais importante e mais fértil que a história da arte do Brasil conheceu. Tratou-se de um momento em que um colectivo utilizou sua raiz local e a sua história conturbada para entrar em diálogo com as dinâmicas criativas mais importantes que aconteciam nos EUA e na Europa e sobre esse encontro construir um discurso próprio, relevante e pertinente. Foi neste contexto que Pape abriu os seus trabalhos a contaminações de tal modo importantes que escapou à habitual sorte da arte feita no terceiro mundo. Não só um certo espírito do tempo lho exigia, mas a sua própria personalidade artística tinha como imperativo a acção de derrubar limites, inverter fronteiras, transformar o constrangimento em possibilidade.
O seu trabalho é universal e não se assume como comentário ou diálogo com as questões antropológicas ou sociais (ainda que sejam aspectos presentes) da sua realidade social. Os gestos de Pape expressam a valorização da experiência que rompe e rasgas qualquer fronteira: dos géneros, dos processos, da forma, da matéria, da nacionalidade, da língua. A metodologia foi a fusão, com consequências na produção dos seus objectos, entre a razão e a sensibilidade, o norte e o sul ou, como escreve Cocchiarale, o olho e o espírito.
As suas obras são lugares de transição: recusam uma denominação especial e exigem uma total integração no espaço de todos os dias, de todos os homens e de todas as coisas. Através deste aspecto Lygia Pape transforma-se numa espécie de poetisa: recorre àquilo que todos têm sempre ao alcance da mão para criar as maiores intensidades, perplexidades e alcançar as experiências mais radicais. É através do esforço continuo de contaminar a vida com a arte e, sobretudo, rasgar o corpo de culto e fetichista em que as obras de arte se fecharam e lá introduzir a matéria viva. E o artista é aquele que suja as mãos com as coisas da vida.
Os recursos que utiliza para a concretização deste seu método são sempre os mais simples e é por isso que são obras tão inesperadas. O espanto do desavisado espectador é sobre a possibilidade de se conseguir com tão pouco criar momentos de tão intenso espanto. Nas obras que agora estão expostas em Lisboa é esta a experiência a que é impossível ficar indiferente.
As suas “Tteias” parecem fios de ouro que desenham formas especiais no espaço, melhor são fios que criam o próprio espaço. Abrem zonas através das quais o nosso corpo orgânico pode penetrar e tomar consciência da sua dimensão espacial. É este mesmo corpo o elemento que permite criar as variações: do seu movimento nascem zonas de diferentes intensidades de luz e profundidade. A matéria é encantatória e não tem princípio nem fim: as suas extremidades diluem-se com o chão, com o tecto e com o nosso próprio corpo. Seguir as linhas é uma actividade que não tem fim, só conhece suspensões momentâneas: são lugares contemplativos que Pape nos deixou. Lugares onde é a vida que activa a potência que está guardada por delicados fios de ouro. Mas também somo nós que ficamos guardados no interior desses tecelares ancestrais: a nossa memória, as nossas imagens, a nossa história sensível.
Exposição até aos finais de Julho na Galeria Graça Brandão de Lisboa
Texto publicado com alterações no DN
Wednesday, May 7, 2008
Cinismo
Feliz? Eu? Não. Mas conheci a felicidade. Agora, aquilo que existe basta para me satisfazer, não me queixo.
Nas benevolentes
Friday, May 2, 2008
André Guedes na Lisboa 20
A exposição de André Guedes "Better Days, for These Days" (melhores dias para os nossos dias) resulta do encontro com um lugar, com uma história, com uma memória.
Numa viagem a Bolonha, em Itália, o artista encontrou um cinema a ser desmontado. Mas não foi a ruína do cinema que lhe interessou, o que quis explorar foi o cinema enquanto lugar de construção de histórias: da sua própria enquanto ponto geográfico e as estórias dos filmes que ali encontravam vida.
Trazer esse cinema para Lisboa, deslocar esse universo para a galeria é o primeiro resultado desta criação de André Guedes: pegou nas cadeiras, cinzeiros, nas cores e na arquitectura do cinema e integrou-os na galeria. Interessou-lhe, numa estratégia comum a outros seus trabalhos, investigar sobre as diferentes relações espaciais e temporais que aquele cinema bolonhês convocava.
O ambiente vazio e solitário da exposição provoca uma certa sensação de nostalgia, que encontra nas capas da revista italiana de cinema Drama a sua melhor imagem: a felicidade dos personagens fotografados - todos figuras do jet set italiano dos anos 50 - tem um aspecto de falsidade indesmentível.
Esta encenação da vida ligada à história de um cinema evoca aquela espécie de mentira de que toda a narrativa e experiências cinematográficas necessitam. No cinema, suprema arte da metamorfose, o morto transforma-se em vivo e são os elementos poéticos - do texto, da imagem, do som - que constituem a matéria daquilo que acontece, dos factos do mundo.
A presença de Antonioni é outro factor imprescindível nesta exposição. A banda sonora do filme Eclipse, daquele realizador, introduz o tempo enquanto elemento que tem um fim. A sua beleza é triste, porque finita: a beleza que traz em si a certeza da sua finitude e é triste porque transporta no ventre a sua própria morte.
Judia ao serviço de Deus
Na apresentação que faz deste Diário o poeta José Tolentino Mendonça escreve: “aqueles que disseram que a poesia e a possibilidade de Deus cessaram com Auschwitz levantavam questões muito sérias, que marcaram intensamente o debate filosófico e teológico da segunda metade do séc. XX. E, de facto, dentro de um determinado quadro de compreensão foi o colapso. O que Etty intui fulgurantemente é que a experiência daquele inferno histórico exige a necessidade de uma nova gramática. “Vou ter de achar uma linguagem nova”, escreveu ela. E achou.”
Estas palavras são a melhor apresentação destes diários. Neles o tom biográfico e confessional, misturam-se numa espécie de poesia acerca do inferno. E para falar deste inferno a linguagem na sua roupagem habitual não servia, era de uma absoluta impotência, e Etty teve de encontrar o modo correcto de dizer aquilo exigia ser dito.
A sua linguagem é uma mistura entre lugares de suprema intensidade poética até à mais banal descrição dos pormenores da vida quotidiana. Mas a intensidade nasce do tom biográfico dos seus escritos. É no quadro da vida real de uma judia, que nasceu em 1914 na Holanda e cuja morte em Auschwitz a Cruz vermelha comunicou a 30 de Novembro de 1943, que nasce a luz que fornece o fundo no qual estes textos devem ser lidos.
Diário 1941-1943
Etty Hillesum
Trad. Maria Leonor Raven-Gomes
Assírio & Alvim
Estas palavras são a melhor apresentação destes diários. Neles o tom biográfico e confessional, misturam-se numa espécie de poesia acerca do inferno. E para falar deste inferno a linguagem na sua roupagem habitual não servia, era de uma absoluta impotência, e Etty teve de encontrar o modo correcto de dizer aquilo exigia ser dito.
A sua linguagem é uma mistura entre lugares de suprema intensidade poética até à mais banal descrição dos pormenores da vida quotidiana. Mas a intensidade nasce do tom biográfico dos seus escritos. É no quadro da vida real de uma judia, que nasceu em 1914 na Holanda e cuja morte em Auschwitz a Cruz vermelha comunicou a 30 de Novembro de 1943, que nasce a luz que fornece o fundo no qual estes textos devem ser lidos.
Diário 1941-1943
Etty Hillesum
Trad. Maria Leonor Raven-Gomes
Assírio & Alvim
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