Bondage, fetichismo, SM, imobilização, voyeurismo são palavras comuns no vocabulário de Pedro Diniz Reis (n. Lisboa, 1972). Um universo eclético onde surgem trabalhos muito gráficos com letras e cores e uma forte ligação à música. Desde os seus primeiros trabalhos que surgem elementos relacionados com a sexualidade, entendida e integrada no seu trabalho não como sedução ou erotismo, mas como pulsão vital e atitude mental.
Refere o fotografo japonês Nobuyoshi Araki (n. Tóquio, 1940), conhecido pelas suas fotografias de mulheres atadas e em situações de SM, e os vídeos fetichistas de Betty Page (1923-2008). No primeiro agrada-lhe o rigor e absoluta entrega às cenas que fotografa, na segunda os aspectos voyeuristas, kitsch e desajeitados. É fascinado pela cena SM de Tóquio, pelo universo das dominadoras e o contacto com os espectáculos nos bares underground de Tóquio foi decisivo na definição de um núcleo importante da sua obra. Nesse universo, diz ter tido a sorte de conhecer pessoas que muito profissionalmente e, nos limites do respeito pelo corpo humano e privacidade, o levaram numa viagem “incrível” através de shows de dança, cordas, agulhas, ganchos e jogos de elásticos. Um universo onde só lhe interessam as pessoas que estão sempre a trabalhar para encontrar coisas novas.
Para o artistas todas estás práticas são uma espécie de requiem, pois não consegue dissociar a sexualidade da morte. E algumas das actuações a que foi levado pelos seus amigos de Tóquio “são o mais próximo que estive do sublime: a entrega das pessoas que participam e pelo rigor utilizado na realização destas performances” declara ao Ípsilon.
No sua obra existem dois trabalhos em que estas pulsões estão mais presentes e assumem maior expressividade. Um deles é a performance Shibatri em que lentamente vai atando uma mulher com cordas. Diz Pedro Diniz Reis: “Shibari em japonês quer literalmente dizer atar. E no contexto SM esta prática passou a significar atar pessoas.” Teve a ideia para fazer este trabalho depois de umas das suas primeiras viagens ao Japão. Regressou a Lisboa e começou “a fazer umas experiências e percebi que não ia conseguir fazer o queria. Deparei-me com questões de segurança e com o impacto que estas práticas têm no corpo dos outros. E decidi ir aprender com quem sabia. Regressei ao Japão e durante quinze dias fui ter aulas” contou o artista ao Ípsilon. E acrescenta: “Atraiu-me esta prática, não no sentido estrito do SM, mas enquanto experiência sensorial e prova de concentração, uma espécie de exercício mental.”
A sua abordagem a esta prática não é necessariamente ligada à sexualidade, porque para o artista trata-se de um “processo de meditação em que cada corda que se passo é um movimento de relaxamento. O que permite atingir outros níveis mentais.” Por isso, nas performances que faz não trabalha com pessoas com quem tem relações de intimidade, mas prefere procurar alguém que profissionalmente queira trabalhar com ele: “não faz sentido atar a pessoa e tocá-la de modo intrusivo e por isso vou colocando filtros que me permitam distanciar” afirma. E neste contexto o Shibari surge como uma escultura ou um desenho, porque a metodologia utilizada pelo artista permite a execução aquela prática com rigor e precisão: “no Shibari interessa-me o rigor metodológico o que permite não transmitir agressividade, nem tentativas de domínio. Interessa-me exclusivamente a performance no contexto artístico” afirmou ao Ípsilon.
Prefere não falar do papel que estas práticas têm na sua vida pessoal e assume tratarem-se de preferências estéticas e de elementos exclusivos de um projecto artístico. Mas não é só em Shibari que a pulsão sexual se faz sentir. Num outro trabalho chamado Uma história contada por um baterista, que é um conjunto de quatro performances, onde se tem uma bateria ao vivo e cada vez que o baterista dá um toque no tambor da bateria se tem acesso a um frame do filme. Visualmente alterna-se entre o negro e a projecção de fragmentos da imagem e quanto mais rápido é o ritmo da batida na bateria, mais avança a imagem. São quatro filmes diferentes que vão desde o puro fetiche, à dominação de mulheres e à utilização de agulhas.
Num deles uma mulher vai-se despindo numa dança lenta e sedutora, a partir de certa altura há um “twist” e ela obriga um homem, despido e imobilizado no chão sob os seus pés, a beber o champagne que lhe escorre pela perna e pelo salto dos sapatos. O homem, submisso, está prostrado no chão e está entre o prazer estático e o sufoco de quem se vai afogar naquela bebida. Um jogo de contrastes e de poderes que o artista explora intensamente no seu trabalho.
Pode dizer-se que com Pedro Diniz Reis estamos no contexto de uma pulsão sexual máxima num contexto ultra fetichista. As imagens originadas neste universo não são nelas mesmas fetichistas, mas assinalam as qualidades sensíveis desse universo do qual normalmente se desvia o olhar ou para o qua se olha Às escondias. Por isso as imagens de Pedro Diniz Reis não têm um valor sexual ou pornográfico, mas são puramente artísticas e os temas do seu trabalho assinalam fundamentalmente uma região e uma linguagem estética.
No comments:
Post a Comment