O herói trágico é diferente: ele estremece ante o poder da morte, mas como algo que lhe é familiar, próprio e destinado. A sua vida desenvolve-se a partir da morte, que não é o seu fim, mas a sua forma, pois a existência trágica só chega à sua realização porque os limites, os da vida na linguagem e os da vida no corpo, lhe são dados ab initio e lhe são inerentes. (Walter Benjamin, A Origem do Drama Trágico Alemão)
Ó habitantes de Tebas, nossa pátria, olhai: este é Édipo que conhecia os famosos enigmas e era o mais poderoso dos homens; ele, a quem nenhum dos cidadãos contemplava sem invejar a sua sorte, em que procela de desgraças se vem precipitar! Assim, aos olhos dos mortais que esperam ver o dia verdadeiro, ninguém pareça ser feliz, até ultrapassar o termo da vida, isento de dor. (Sófocles, Rei Édipo)
A arte, tal feiticeira redentora com poderes curativos; só ela pode transformar aquela ideia de repugnância sobre os aspectos horríveis ou absurdos da existência em representações, com as quais se tornara possível viver. (Nietzsche, O Nascimento da Tragédia, §7)
Estremecimento, comoção, amores, desamores, perda, nascimento e morte, sentido e desorientação – estas não são as mais comuns categorias estéticas, mas servem para desenhar uma determinado quadro metafísico da realidade, do mundo, da vida e mesmo da natureza humana. Porém, existem momentos em que sobre, em torno e em conjunto com as obras de arte se desenha um quadro metafísico de compreensão da vida. Nietzsche chamar-lhe-ia “consolo metafísico”, uma espécie de apaziguamento com a consciência da mortalidade e da dor que o estar vivo parece sempre implicar. Os artistas surgem neste contexto como possuindo a capacidade não só de revelação, como de reconciliação com a natureza das coisas. O tal feitiço curativo – muito evocado como sendo uma das ‘missões’ da arte - não é tanto qualquer coisa actual, como uma potência que reside, enquanto espécie particular de energia latente, no núcleo íntimo de cada obra de arte. Não se tratam de promessas de felicidade ou do acesso a qualquer tipo de paraísos perdidos, antes o que está em causa é o tomar posse da forma das coisas – sejam elas quais forem.
A morte, aqui enquanto ideia ou forma da consciência, é uma espécie de gerador: cria, recria, consome, dissolve, envolve e encerra uma determinada atmosfera. É verdade que todo o pensamento religioso e metafísico tende a assentar na má relação – medo, pavor e consequente fuga – que os homens tendem a ter com a ideia do seu próprio fim. A finitude, central a tanto pensamento e a tanta produção artística, aparece não só como tema inesgotável, mas como fonte de onde continuamente emanam enunciados e experiências cuja pertinência se prolonga no tempo. A tragédia grega e o drama trágico, como o testemunham, entre outros, Nietzsche, Walter Benjamin e os tragiodógrafos gregos, são disso os grandes exemplos. Com eles aprendemos qualquer coisa não só acerca dessas formas artísticas, mas sobretudo acerca de nós próprios quando confrontados com o nosso limite: este revela-se não só enquanto descoberta da morte biológica, mas também nos limites que as ferramentas humanas – a linguagem, o corpo, a arte – possuem.
A exposição “Corpo Impossível” não lida directamente com o género literário da tragédia ou do drama trágico, mas sim com o conjunto de experiências e de conhecimentos que ficaram depositados nesses dramas e nessas figuras. Não são estabelecidas relações com textos ou personagens específicos, o central é a densidade dessa atmosfera – profética, cruel, sanguinária, sexual – a qual os trabalhos de quatro artistas (Adriana Molder, Noé Sendas, Rui Chafes e Vasco Araújo) assumiram como ponto de partida. O herói trágico é a possibilidade, teórica, literária e artística, da inversão do habitual estado de coisas. Ao esquecimento do seu fim, o herói prefere o assumir da finitude como destino; à sublimação do limite e à ilusão, a que talvez se possa chamar esperança ou nostalgia do sem fim, ele prefere, enquanto modo de vida, moldar a sua matéria com a forma do silêncio arrebatado e da morte sem lamento. Por isso o silêncio – tão decisivo nas obras que estes quatro artistas aqui apresentam – surge como uma espécie de fio que une trabalhos e linguagens tão distintos.
A impossibilidade e limite, tão presentes na construção desta exposição e deste livro, diz respeito a uma consciência – talvez transformada em princípio negativo e de eliminação do excesso – sobre as impossibilidades que cada trabalhos artístico sempre apresenta quando confrontado com a matéria de que são feitas as coisas. O ficar aquém parece ser o destino de qualquer obra de arte: fica sempre algo por dizer, por mostrar, por desvelar. Esta coroa de espinhos e de glória do trabalho artístico talvez constitua simultaneamente a sua condição de possibilidade: trata-se da ideia de incompletude transformada em princípio ou origem do impulso de dar forma.
Ainda que a ideia de limite e de impossibilidade, “da vida na linguagem e os da vida no corpo” como diz Benjamin, seja o eixo desta exposição, não se trata de uma exposição impossível, antes da transformação da consciência da impossibilidade orgânica, linguística, formal e material numa forma, numa imagem, num objecto. É como se fosse ensaiada uma possível resposta ao apelo do artista alemão Joseph Beuys: “Tornai produtivos os segredos”. Aqui o segredo surge como desdobramento – do próprio em alheio, da presença em ausência, da proximidade em distância, da voz em silêncio – e prolongamento daquilo que de tão visível e presente é continuamente esquecido e ignorado. A exposição “Corpo Impossível” não é um lamento sobre a impotência ou fraqueza das obras de arte, mas sim uma construção estética, poética e plástica sobre a ideia de impossibilidade e de limite ou, para retomar Nietzsche, acerca da possibilidade de transformação dos “aspectos horríveis ou absurdos da existência em representações, com as quais se torna possível viver”. Claro que a premissa, discutível e sempre em ponto de ser revista e requacionada, é que toda a arte é representativa. Aqui não no sentido restrito deste conceito, mas usando-o de um modo tão plástico que possa incluir a totalidade das forças expressivas e não se vendo no carácter ‘representativo’ um mero jogo de formas miméticas.
O Palácio de Queluz surge, neste contexto, como o cenário ideal: as suas memórias, presentes na arquitectura, nas escultura e mobiliário, são mais elementos a acrescentar a este conjunto de impossibilidades – camas onde não se dorme, retratos esquecidos, nomes apagados, jardins perdidos, ou seja, trata-se também de um sítio impossível no qual o corpo se desloca e habita metamorfoseando-se em arquitectura, natureza, cor. A sua própria existência encerra um paradoxo do qual se parte para a construção do discurso/experiência desta exposição: toda a sua história fala de corpos que aí habitaram, de experiências vividas, mas toda a sua forma actual vive da ausência dos elementos que lhe deram forma e conteúdo. Por oposição a este vazio de presenças, os jardins estão repletos dos reflexos da presença de corpos, de vida, de gente: a escultura existente no exterior tem como tema, quase dominante, a representação do corpo. Talvez esta tenha sido a forma encontrada para compensar as ausências e os vazios. Esses corpos, heróicos e gloriosos, constituem uma espécie de simulacro: são a vida estagnada no momento da sua dissolução, ou seja, no ponto em que a sua metamorfose em imagem da vida se está a dar. O olhar de Laura Castro Caldas sobre o palácio e seus jardins são a melhor apresentação deste espírito e da densidade que o tempo nestas paragens possuí. Estas fotografias, que intervalam a totalidade deste volume, expressam as qualidades que o tempo possui quando não existem sujeitos que o vivam e lhe dêem uma forma, elas captam as marcas da passagem do tempo gravadas nas pedras das esculturas e na natureza. Os reflexos e as imagens espectrais - espelhadas, invertidas, perturbadas – são obrigadas a realizar uma paragem para, do seu interior, darem a ver o modo como vão sendo esculpidas, formadas, consumidas. Por isso a fotógrafa entende a natureza, as esculturas e os edifícios como fazendo parte de um todo arquitectónico dominante: como se tudo e todos fizessem parte de uma grandiosa construção que um arquitecto desconhecido projectou. Não se trata de um registo – como se de um inventário minucioso se tratasse -, mas sim da verificação do modo como a paragem do tempo implica a impossibilidade do olhar, da expressão, da forma.
CORPO E REPRESENTAÇÃO
A figura humana, na literatura e na arte em geral, tem um estatuto diferente da real, na qual o isolamento do corpo, em tantos aspectos apenas aparente, se apresenta, do ponto de vista da percepção, precisamente como a expressão menos ilusória da solidão moral do homem face a Deus. O ‘Não farás nenhuma imagem’ não serve apenas para evitar a idolatria. Com incomparável evidência, a proibição de representar o corpo afasta também a ilusão de que a esfera a reproduzir seria aquela em que a essência moral do homem se torna perceptível. Toda a esfera moral está ligada à vida no seu sentido extremo, nomeadamente naquele ponto em que, na morte, a vida se realiza como o lugar do perigo por excelência. E esta vida, que nos afecta moralmente, isto é, na nossa singularidade, apresenta-se, do ponto de vista da criação artística, como algo de negativo – ou pelo menos assim deveria ser. A arte não pode, de facto, permitir de forma alguma que alguém a promova, nas suas obras, a tribunal da consciência. (Walter Benjamin, op. cit.)
Esta citação de Benjamin apresenta, em escorço, algumas das questões mais decisivas sobre a relação, múltipla e complexa, que a arte possui com o corpo humano. Não cabe aqui fazer uma história dessas relações, importa antes realçar a relação entre arte e moralidade, ou seja, entre as produções artísticas e os juízos de valor moral. Muito já foi escrito e pensado sobre este tema e até existe um certo tipo de arte que assume como seu ponto de partida, e núcleo central, a política e o julgamento sobre os destinos do mundo e da humanidade: uma espécie de tentativa de transformar as obras de arte num tribunal especial e os artistas em juízes inesperados . No que aqui nos interessa esse não é o caso. Em qualquer momento, e do nosso ponto de vista, não serve a arte de ferramenta de averiguação do carácter correcto ou incorrecto, justo ou injusto do real. Antes trate-se de uma instância de compreensão, do registo em finas linhas que desenham uma determinada imagem da realidade: sem a assunção de qualquer tipo de valor sobre o esforço, cognitivo e emocional, que lhe dá origem. A haver compromisso ele dá-se com a própria arte. Lembrem-se as afirmações de Rui Chafes “Acredito na arte como o único deus”: aqui reside a possibilidade não da salvação individual, mas do compromisso com as energias, incapturáveis por um espírito lógico-racionalista, que dão forma ao gesto do escultor e ao próprio objecto esculpido.
Numa das peças apresentadas nesta exposição, “Tudo é bom quando é excessivo”, o artista parece contrapor à moral vigente de contenção e comedimento uma outra lógica. Não se trata do exercício da vulgar sedução formal, antes do rompimento com o tecido do habitual habitável, da normalidade pouco emotiva e demasiado racional em que a contemporaneidade parece estar afundada. Instalada numa antiga jaula do palácio, o acesso a esta escultura constitui-se não enquanto espaço de liberdade, mas sim enquanto entrave e impedimento. A visibilidade é filtrada pelas grades da jaula: como se estas estivessem a proteger o visitante de um ataque de um animal feroz. No lugar que abrigava animais selvagens exóticos, habita agora uma espécie de ser alado, negro e frio. A sua existência – num equilíbrio que, como sempre, se revela como sucessão de momentos de instabilidade – é possibilitada por um conjunto de cabos de aço, quase imperceptíveis. Este jogo – conceptual, formal e metodológico – entre o peso do aço e a leveza da ideia, entre a gravidade da matéria e a ascensão dos corpos alados, revela-se enquanto antecipação profética, muda: as suas palavras só podem ser ouvidas por seres de igual constituição, o segredo que parece querer revelar – talvez imagens de um mundo só acessível às puras inteligências – destituí-se por não haver possibilidade da sua inteligibilidade. O filtro que nos protege do contacto directo com este ser – talvez um anjo a tentar ser homem – é o que nos salvaguarda da visão e do reconhecimento da vida, para retomar Benjamin, enquanto o lugar, por excelência de todos os perigos. Esse tal filtro, que ao mesmo tempo que impede a visão a possibilita, revela-se como sendo uma máscara que o ser encarcerado utiliza como único modo de se dar a ver: é a sua própria possibilidade expressiva.
Claramente, o corpo surge como lugar da experiência dos próprios excessos e isso a que o artista, em conjunto com o seu anjo, apelida de “bom” não é uma categoria moral, mas sim a apresentação de um desejo: é como se isso do bom fosse a concretização daquilo que a carne pede, daquilo que o corpo orgânico deseja enquanto seu destino – a salvação do peso mundano. Este corpo encarcerado dentro do corpo arquitectónico –albergue e de filtro – é o fio que nos conduz às outras peças deste artista. Em “Unsaid”, peça feita em colaboração com a artista irlandesa Orla Barry, o corpo é o elemento central: mas é da sua ausência que a escultura, a voz e o corpo fotografado falam. Esta instalação, se assim a podemos chamar, é quase programática do processo criativo de Rui Chafes: a palavra e o ferro unem-se num todo indissociável (todas as esculturas deste artista têm um título), por vezes criando espécies inusitadas de máquinas, outras ensaiando a repetição de formas orgânicas e vegetais. Não se trata propriamente de um programa, antes da perseguição contínua da capturação da ideia, do conceito, da palavra, do ritmo no metal.
Pode dizer-se que “Unsaid” é uma máquina que transporta o seu utilizador a um local inesperado: dentro de si próprio, ao lugar da sua intimidade e o diálogo que estabelece com o seu utilizador/activador transforma-se no som do próprio pensamento (veja-se o ensaio de José Gil). Essa voz, com a gravidade que as coisas sérias devem ser ditas, diz:
you are inside my head, i can’t get you out..../ I hide you inside of me, no one see you’re there/ not even you, my heart pounds...
e conclui
You can’t remember, but I am, and always have been, here with you.
O diálogo cedo se revela como monólogo, palavras que o sujeito diz a si próprio no momento em que é assaltado pela estranheza de ter um corpo, de ter linguagem, de estar vivo. O confronto com a linguagem, matéria de que é feito o próprio pensamento, é mostrado enquanto um singular lamento:
I hide behind my fucking words. / The words that cover my words, that cover the last words, / that hide the ones before that while revealing the ones i wanted to hide, / the ones i didn’t anyone to see, the ones i wanted to remain unseen / like the envelope that covers a letter, keeps the inside from spilling out on / the street. / So my words reaveal my thoughts / undone thoughts, neverending thoughts, and these hide inside my words, my / words are my fucking thoughts … I will never tell you.
Este poder da linguagem torna-se visível enquanto resistência, como se fosse uma força de repulsão e não de atracção. A co-naturalidade entre o pensamento e a linguagem é aqui vista enquanto qualquer coisa que sai de dentro de outra: também o corpo do utilizador da máquina, o “não dito”, é um corpo estranho ao metal e só momentaneamente este lhe surge como local apropriado. A representação surge aqui enquanto oposição, ao modo de Wittgenstein, entre o dizer e o mostrar e parece que este território não se deixa aprisionar por nenhum tipo de palavra, trata-se de algo que a revelar-se o será com um gesto: inesperado, mágico, redentor.
Este corpo dentro do corpo, estas palavras dentro de palavras que revelam o pensamento, que é sempre e já palavra, este jogo de sucessivos reenvios encontram em “Comer o coração” o seu natural prolongamento. Esta escultura (com a participação da bailarina/coreógrafa Vera Mantero) abre outro dos centros do trabalho deste artista: a relação com a natureza. Se nas outras peças deste escultor a presença do corpo orgânico e físico surge somente enquanto sugestão, aqui ele é o tema dominante, quase omnipresente : mas esta presença, poder-se-ia dizer monumental, revela-se enquanto grito nostálgico por qualquer coisa perdida – o si próprio, o contacto com a natureza, o reconhecimento da sua própria interioridade. A instrumentalização que Vera Mantero faz da voz é assumida como tentativa de recuperação de uma linguagem perdida: mas o elemento irremediavelmente perdido não é só a palavra com sentido, o próprio corpo surge enquanto entidade destituída, dilacerada, esburacada. Das duas cadeiras erguidas a seis metros, só uma é ocupada: a outra é a imagem do vazio, da ausência, símbolo da incompletude que marca qualquer ser humano. Para regressar a Benjamin, parece que só a ausência pode dar conta desse aspecto imperceptível e irrepresentável que é um corpo, a sua singularidade e individualidade parecem escapar sempre a todas as tentativas de sistematização e formalização.
Mas nesta sua passagem por Queluz “Comer o Coração” estabelece com o exterior um forte relação: partilha o mesmo espaço que as copas das árvores, contrapondo-se à fachada do edifício e aos céus de Inverno trazendo para esta exposição a ideia de um exterior que partilha com os homens a mesma sorte. Parece que a máxima de tudo estar contido em tudo é aqui levada ao seu limite: o corpo dentro da escultura, a escultura transformada em corpo, o corpo feito escultura, a palavra feita arte. E a natureza assim evocada é assumida como a categoria do sempre ausente, do irremediavelmente perdido. A questão dos limites e das impossibilidades fica expressa na tentativa deste artista em eliminar continuamente o excesso, em limar o não essencial. Talvez nesta sua intenção seja movido pela expectativa do encontro do essencial, do não acessório. Mas este modo de pensar e fazer arte também encontra os seus limites: na matéria que reclama os seus direitos, no metal que afirma a sua presença e não se deixa transformar em invisibilidade.
Ainda que não se possam estabelecer relações formais entre o trabalho de Rui Chafes e o de Noé Sendas, no contexto de “Corpo Impossível” os desdobramentos e prolongamentos que os seus trabalhos reflectem fazem com que entre estes dois artistas surjam afinidades. As esculturas antropomórficas de Sendas reenviam para um determinado excesso: a proximidade, estremecedora, que possuem com um corpo real inscreve-as num terreno difícil de classificar. Por um lado, a sua aparência surpreende-nos: é como se fossem corpos reais, sujeitos às mesmas condições que qualquer corpo que habita a Terra está sujeito; por outro, a sua construção faz destas formas, tão semelhantes a nós, objectos não reais, mas sim esculturas. Se em Chafes a presença do corpo é da ordem do pressentimento, em Sendas essa presença é um quase manifesto. Os personagens, inspirados muitas das vezes em figuras da literatura ou em personagens da pintura, podem ser vistos como pontos de condensação de um determinado espectro de experiências. Os seus “homens”, vestidos com roupas urbanas à imagem e à dimensão do próprio artista, são apresentações de momentos da experiência do sujeito consigo próprio. Não se trata, como em “Unsaid”, da estranheza daquele que, pela primeira vez, entra em contacto com a imagem da sua intimidade, trata-se sim da exploração dos limites, formas e linguagens que o corpo humano parece possuir.
“Axis” é, no contexto aqui em causa, uma entrada, um acesso, o umbral. Não só devido a ser a primeira peça da exposição, mas por constituir um mote especial: um homem levita, o seu corpo hirto é suportado do teto por finos cabos e pedaços de madeira – como impedimento da dissolução da sua unidade. Esta estabilidade instável permite o acompanhamento da sua silhueta, do seu contorno, do seu desenho. A indecisão quanto ao destino deste ser, entre a ascensão e a queda, a levitação e o afundamento, transforma-o numa zona estranha, mas é, precisamente, esta estranheza que importa fixar. A situação fantástica e improvável em que vive inscreve-o, num primeiro momento, na dimensão em que vivem os seres fantásticos da ficção, mas, depois, revela-se como a materialização da indecisão que qualquer corpo, enquanto corpo vivo, partilha. Estar vivo é, assim, não só o lugar de todos os perigos, mas o lugar da suprema indecisão, adiamento, irresolução. Só o fim ou seja a morte, como no caso de Édipo, pode decidir a qualidade da sua vida e permitir a qualificação da ocupação de um determinado momento do tempo e lugar no espaço. Trata-se, realmente, de um “eixo” (axis) no qual se reflecte o espaço ‘entre’ que todos os corpos, mesmo nas suas dimensões irrepresentáveis, ocupam.
Este retrato que Noé Sendas traça, talvez inspirado nos dramas de Becket ou nos personagens das pinturas de Friedrich, é o modo que o artista encontra para falar das múltiplas dimensões que o humano possui. “Backbone” é uma instalação que parte da experiência do sujeito consigo próprio, com as suas memórias e com a sua própria imagem. A experiência que o artista propõe localiza-se numa região entre o sonho, a memória e a alucinação. O elemento decisivo para a compreensão desta peça é, aquela acessível a qualquer um: a antecipação da experiência ou, por outras palavras, o déja-vu. A sala da galeria do Palácio de Queluz transforma-se em lugar de aparições, sombras e alucinações. A distinção entre o real e a ilusão esbate-se e as ferramentas anímicas que usamos para digerir o real mostram-se inadequadas. A lógica habitual é dispensada e à tentativa de dominar as percepções transformando-as em conceitos abstractos prefere-se o contacto com o sem nome, o irracional, o não dito. Tudo se passa como fossemos incitados a abandonar, momentaneamente, os mecanismos de censura que a consciência em estado de vigília tem sempre accionados. Aqui o domínio é o do insciente, trata-se dos momentos que antecedem o dar-se conta do sítio onde se está, onde o corpo é pura experiência sem nome, uma espécie de abandono a si próprio, aos ritmos e dinâmicas internos.
A projecção das imagens na parede são mediadas por um outro corpo: corpo que protege outro corpo, corpo dentro de outro corpo, sala dentro da sala. As imagens, recolhidas anteriormente nas salas onde a projecção é feita, constituem um processo imagético de duplicação, desdobramento e prolongamento. Trata-se do confronto com a imagem de um outro o qual é transformado em duplo, a alteridade que é antecedida pela notícia da existência do estranho, fica aqui reduzida ao fechamento da esfera da identidade, do próprio. No limite, trata-se da metamorfose do visitante em passeante: uma transformação que sintetiza a experiência daquele que vagueia na natureza e na cidade, uma espécie de encontro da experiência do solitário romântico com a do deambulador das cidades modernas.
SILÊNCIO
O herói trágico tem apenas uma linguagem que plenamente lhe corresponde: precisamente a do silêncio. Assim é desde o início. Por isso o trágico escolheu a forma artística do drama, para poder representar o silêncio ... Ao ficar em silêncio, o herói quebra as pontes que o ligam ao deus e ao mundo, ergue-se e saí do domínio da personalidade que se define e se individualiza no discurso intersubjectivo, para entrar na gélida solidão do Si-mesmo. Este nada conhece fora de si, é a pura solidão. Como há-de ele dar expressão a esta solidão, a esta intransigente obstinação consigo próprio, a não ser calando-se? (Franz Rosenzweig, “A Estrela da Redenção” citado por W. Benjamin, op. cit.)
Homero é no “Jardim” de Vasco Araújo o guia. Partindo de versos da “Ilíada” e da “Odisseia” este artista constrói não um drama trágico, mas um ponto de vista especial sobre a relação existente entre o rosto, a expressão, a linguagem e a natureza. Esta última surge não como tema, mas ergue-se enquanto mediação entre o tempo que passa e as marcas que se vão inscrevendo no rosto e, logo, na sua expressão. A linguagem serve a este artista não enquanto ferramenta descritiva, mas como instrumento de exploração das diferentes zonas da sensibilidade e da percepção. É a instância que torna visível aquilo que de outro modo ficaria encerrado numa zona de invisibilidade. Estes personagens que falam como se estivessem calados – suprema ironia e paradoxo – impõe ao espectador uma espécie particular de enigma. Ao silêncio fisionómico – rostos esculpidos em pedra negra, impassíveis, imóveis, petrificados – corresponde uma intensificação do poder da palavra enquanto possibilidade de experiência. Num dos versos diz o personagem:
Será que estou perto de homens dotados de fala? Mas coragem, eu próprio farei a experiência de ver…
Esta relação entre ser dotado de fala e a utilização da visão como instrumento de verificação da existência de linguagem sublinha a atenção particular e decisiva do sujeito relativamente ao exterior, ao visível. Um tema wittgensteiniano por excelência, tornado método filosófico, e que assume na exortação “não penses, olha!” o seu princípio constitutivo. Como se o pensamento constituísse um desvio, um afastamento daquilo que é o centro, o fundo, a origem. Mas o paradoxo que existe em “O Jardim” de Vasco Araújo é ainda mais intrigante, pois à visão corresponde a imobilidade, à imagem em movimento deste seu vídeo corresponde a suspensão de todo e qualquer gesto, estes seres “dotados de fala” parecem estar suspensos entre a inspiração e a expiração. Não se trata de uma suspensão do tempo – esse continua a exercer a sua acção: as teias de aranha e o desgaste da pedra dos rostos esculpidos são disso testemunha -, mas sim da suspensão do movimento, dos afastamentos e recuos que sucessivamente se fazem a um rosto vivo. Mas, como lembra Benjamin, a figura humana tem na arte um estatuto diferente daquele que tem na vida orgânica. Não se trata de estabelecer algum tipo de hierarquia entre um mais real e um menos real, quer o corpo vivo quer o corpo esculpido constroem uma mesma realidade, ainda que ocupem zonas diferentes do largo espectro do quotidiano. Os prolongamentos e consequências da vida na arte e da arte na vida são questões inevitáveis quando se invocam as metáforas existenciais para a compreensão e contacto com os produtos artísticos: o que é aqui o caso. A consolação metafísica, que Nietzsche no “Nascimento da Tragédia” fala, faz parte, com certeza, deste prolongamento da arte na vida e da vida na arte.
A vida, tema contínuo dos gestos criativos, é o local onde todos os gestos criativos se alimentam e de onde tomam a sua forma, mas para este artista o essencial é o modo como se passa a ver a vida depois da arte. As suas “palavras apetrechadas de asas” servem um duplo propósito: primeiro formam um horizonte de sentido e, depois, reconstroem zonas estéticas para a sensibilidade.
O movimento das folhas das árvores lembra as transições, as transformações, a mobilidade. A fragilidade humana, quase sempre coberta e mascarada, mostra-se enquanto esplendor da própria humanidade:
A Terra não alimenta nada de mais frágil que o homem, de tudo quanto na terra respira e rasteja
e o herói surge nesta moldura como a afirmação não tanto da vontade de vida, mas como o gesto reconciliatório do homem com o seu próprio destino, com a sua solidão originária e com aquilo que lhe é mais familiar. Esta consciência, de que Nietzsche é o grande porta voz, tem na história do rei Midas a sua melhor apresentação:
Existe a velha lenda segundo a qual o rei Midas perseguiu por muito tempo o sábio Sileno, companheiro de Dioniso, sem o apanhar. Quando por fim ele caiu no seu poder, o rei perguntou o que haveria de melhor e mais excelso para o ser humano. Inflexível e imóvel, o demónio silencia; até que, coagido pelo rei, solta com um riso estridente estas palavras: ‘Estirpe miserável e efémera, filhos do acaso e da fadiga, porque me obrigas a dizer-te o que para ti é mais proveitoso não ouvir? O melhor é para ti totalmente inatingível: não haver nascido, não ser, nada ser. Mas a segunda melhor coisa melhor para ti é morrer em breve.’ (Nietzsche, op. Cit., §3)
Que o grande pecado seja o próprio nascimento é a forma da consciência dos personagens forjados por Vasco Araújo. Mas esta consciência não os transforma em seres ensombrados pela proximidade da morte. A topografia do si-próprio é transformada em sentimento de conciliação com o mundo e com os acasos e fadigas tão próprios daqueles que estão vivos:
por isso, que nenhum homem seja alguma vez injusto! Que resguarde em silêncio o que os deuses lhe concederem…
O silêncio, enquanto a única linguagem possível daquele que viu a vida enquanto sentimento trágico, sofre um inflexão: Vasco Araújo não precisa do drama trágico para o apresentar, mas sim da própria humanidade enquanto símbolo dessa mesma realidade. Se noutros trabalhos esta consciência é transposta pelo artista para personagens operáticos – veja-se a sua “Sabine/Brunilde” -, aqui a própria noção da vida como drama e do drama como vida esbate-se em suaves imagens e o impulso representacional e cenográfico dá lugar à expressão do carácter brutal que reveste a interioridade no momento da sua constituição. Mas a gélida solidão identificada por Benjamin é transformada por este artista na pedra de toque da constituição de uma possível comunidade humana:
pois eu não tenho semelhança com os imortais, que o vasto céu detêm, quer pelo corpo quer pela natureza, mas sim com os mortais que no peito tem a força inquebrantável da coragem.
As sombras desvanecem-se e no lugar do irreconhecimento e da solidão surge a igualdade e a pertença a um solo comum como elementos destinados ao humano. Não se tratam de heróis trágicos, mas partilham com estes a certeza de um destino comum. A palavra que no caso de Rui Chafes era vista enquanto ritmo do pensamento a braços consigo próprio, é aqui a instância que possibilita o estabelecimento de uma relação com um outro, um local não de fechamento do sujeito sobre si próprio, mas de abertura ao exterior, ao dissemelhante, à alteridade. As implicações políticas, enunciadas logo no início deste trabalho de Vasco Araújo, prendem-se grandemente com as categorias da pertença e da diferença: o Jardim Tropical, anteriormente chamado Jardim Colonial, é a marca de um passado que se quis silenciar, de momentos cuja história se quis esquecer. Originalmente construído em 1906 e depois utilizado para a exposição do Mundo Português em 1940, este jardim transformou-se no símbolo da incapacidade de integração do diferente: cultural, temporal, racial e social. O estrangeiro de Homero é também uma imagem para falar da condição daqueles que sempre se sentem desintegrados, na margem e parecem nunca encontrar o seu lugar próprio.
A ideia de morte – enquanto limite intransponível e destino humano familiar– tem neste contexto um lugar incontornável. E é a escultura que apresenta de modo mais expressivo a aporia de um corpo feito à imagem do seu fim. A série de fotografias “Caixão” de Vasco Araújo não são simples imagens, antes o seu interesse reside nas qualidades escultóricas que são fixadas no papel. É o objecto – caixão – que interessa com todas as suas propriedades formais e materiais: como se se tratassem de locais que vão abrigar os rostos imóveis do seu vídeo, o local que espera todos aqueles que são dotados de fala, o seu destino e inevitabilidade. O movimento que aqui se está a assistir é o de dotar esse tal destino de uma matéria, de uma forma e de uma cor.
O IRRACIONAL E EXCESSIVO
A partir de agora, é sobre o seu [do herói] silêncio, e não sobre a sua fala, que recairá toda a sua ironia […] Trágico é o lapso do discurso, que aflora inconscientemente a verdade da vida heróica, o si-mesmo, tão profundamente fechado sobre si que não acorda nem sequer quando, em sonhos, se chama pelo seu próprio nome. O silêncio irónico do filósofo, rude e mímico, é consciente. No lugar da morte sacrificial do herói, Sócrates coloca o exemplo do pedagogo. (W. Benjamin, op. cit.)
Desproporção, irracionalidade, ruptura são acções para as quais dificilmente encontramos um lugar próprio. Tratam-se de momentos em que a inteligência se vê transmutada em poder musical e abandona a sua actividade projectiva: é como se por momentos o ânimo ficasse inibido de projectar no visível os seus conceitos e relações e ficasse atento à simplicidade do ser afectado e tocado pelas coisas. O mundo é visto como estando além do racional e do fenoménico e o distanciamento abstracto, a mediação conceptual, é inibida e no seu lugar surge o envolvimento estético com aquilo que há. A razão, à maneira nietzschiana, transforma-se em ritmo e as coisas são vistas enquanto possibilidade de intensificação energética. Estas características podem também dizer respeito ao gesto criativo: aqui compreendido enquanto suprema intensificação de energia, a formalização é abandonada em nome da conquista de intensidades, de transformações, mutações, de musicalidades.
Adriana Molder no trabalho “Noite sem fim” assume estes aspectos transportando-os para a relação de um sujeito com o seu próprio corpo: um olhar narcísico e contemplativo que se vira para si próprio na expectativa de solucionar o enigma em que o mais comum e familiar se podem transformar. Trata-se do momento em que o sujeito se transforma para si próprio em estranheza e distância. O vídeo e fotografias da artista potenciam e levam ao limite esta experiência de estranheza: a repulsa, categoria fundamental para a compreensão deste trabalho é o nome desse limite face ao qual as estruturas de reconhecimento do material de que se é constituído se dissolvem. O gesto que em torno de si mesmo cria uma atmosfera familiar é destituído das suas qualidade habituais e estas, que lhe permitiam ser o território onde a orientação era garantida, transmutam-se em aspectos que exigem a refundação das estruturas e fundamentos mais elementares.
Uma mulher despe-se, veste-se, sacode-se, penteia-se, enoja-se, perde-se: acções realizadas repetidamente e por vezes ritmadas pelo tiquetaque de um relógio. A sua sucessão, obsessiva e paranóica, não pretende a construção de nenhum tipo de narratividade: a realidade é aqui fragmentada e a reunião de todos estes elementos constrói um acesso. Ainda que o corpo seja o protagonista destas múltiplas viagens, é a relação que a consciência pretende construir com um suposto fora que está em causa. Trata-se daquele momento em que se abre um diferendo abissal entre a matéria de que é feita a alma e a matéria de que é feito o corpo: é como se a personagem estivesse a dizer “isto não sou eu” apontado para si própria. A dualidade interior/exterior, dentro/fora é sublinhada e surge como intransponibilidade e o resultado são múltiplas construções e desconstruções da individualidade e da identidade.
As acções que levam a este estado são o exagero, quase caricatural, dos mais comuns e elementares gestos humanos que aqui não conhecem qualquer medida ou comedimento. Esta lógica de excesso é o que permite à artista a subtil alteração do modo habitual de ver. Tudo o que a protagonista realiza é da mais absoluta banalidade: mas o nosso olhar sobre essas configurações do corpo no espaço fica alterado por subtis intervenções: montagem, banda sonora, movimento, etc. E entre este estado alterado e a suposta normalidade estabelece-se um continuo vai e vem: jogo de reenvios sucessivos que adensa e intensifica a estranheza e aprofunda a sensação do espanto consigo próprio.
Agatha Christie no início do seu romance policial “Endless Night” cita o poema de William Blake “Auguries of Innocence” e Adriana Molder parte desta citação como se uma perplexidade sua se tratasse:
Every Night and every Morn
Some to Misery are born.
Every Morn and every Night
Some are born to Sweet Delight
Some are born to Sweet Delight
Some are born to Endless Night
Estar espantado com o seu próprio destino – tão presente no trabalhos de Vasco Araújo – é aqui um momento decisivo: a sucessão dos dias e das noites é retirada da sua normalidade e vista como justaposição de momentos que decidem a configuração de uma vida, de um humor, da consciência. No limite – e tal como formulado por Agatha Christie – é assumir que a vida – local supremo de todos os perigos – é a apresentação continua de um dilema ético-moral. Tenhamos nós nascido para a “noite sem fim” ou para o “doce encanto” trata-se de reconhecer/ver o ponto temporal e espacial que assumimos como o nosso: poderíamos aqui voltar ao tema do herói trágico e do modo como este enfrenta silenciosamente aquilo que os deuses lhe têm reservado. Não se trata de resignação, mas sim da aceitação passiva daquilo que nos calha em sorte. Não é aqui o lugar para a discussão da liberdade moral do sujeito ou da possibilidade do livre arbítrio, relevante é o modo como a possibilidade da loucura é tão forte: o acesso a esse reino da “noite sem fim” - lugar de trevas e escuridão, madrugada assustadora em que o mais tenebroso pode acontecer – surge como se fosse produto da fatalidade, qualquer coisa que se pode abater sobre nós e de onde nunca mais se pode sair. E o corpo é o seu testemunho expressivo e simbólico. É como se a loucura, ao permitir rasgar o tecido do habitual habitável, deixasse marcas no corpo e na sua expressão: as perturbações linguísticas dos supostos loucos são disto um exemplo.
Cada gesto deste personagem transforma-se num poderoso símbolo e o seu discurso é desprovido da habitual carga conceptual: o acesso aos seus mistérios é directo, estético, sensível. A queda do personagem é um dos momentos mais especiais porque acumula e condensa a totalidade de experiências e suspeitas da totalidade do vídeo. As fotografias, ao introduzirem uma interrupção e uma paragem na vida deste ser, permitem um dar-se conta da natureza sexual e sanguinária desta falsa Deneuve (que a artista foi buscar ao filme “A Repulsa” de Roman Polanski com Catherine Deneuve como protagonista). O que introduz outro aspecto importante do trabalho desta artista: a ideia de cópia, de falso, de substituição de uma realidade por outra. Se nos desenhos a preto e branco a artista parte de fotografias, aqui é a própria fotografia que se assume como traço e a imagem, ao não perder textura ou profundidade, ganha a cor e prolonga a fisionomia do seus personagens que são ao mesmo tempo o seu mistério. O silêncio que acompanha as descobertas desta personagem é prolongado na cor e nas imagens tornadas reflexos. O díptico e quadríptico são a apresentação destas qualidades: um tempo tornado símbolo da natureza interna deste ser.
Mais uma vez, e como em muitos momentos de “Corpo Impossível”, trata-se de um limite expressivo e de uma quase impossibilidade perceptiva. A “falsa Deneuve” de Adriana Molder serve como instrumento de reconhecimento dos lugares em que a visão, a percepção e a expressão ficam embaraçadas dada a sua desorientação. Este é outro dos fios que une a totalidade dos artistas e dos trabalhos aqui apresentados. Não se trata de testar ou de verificar, como se de um procedimento científico ou racional se tratasse, as possibilidades e as impossibilidades das obras de arte quando confrontadas com as estruturas físicas e psíquicas do humano. Trata-se sim da construção de um minucioso olhar para o lugar, dentro de cada um de nós, onde são guardados os segredos e onde anjos e demónios constroem a sua morada.
texto publicado no livro Corpo Impossível, Assírio & Alvim, Lisboa, 2006
http://www.assirio.com/livro.php?codigo=160056
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