Estamos no centro do universo, onde a única lei é a da luz que penetra as imagens e todos os corpos físicos. Corpos feitos de energia e ondas magnéticas que penetram a matérias e criam paisagens, objectos, campos visuais. A visibilidade é fruto da construção de modelos rigorosos e, algumas vezes, experimentais. Não se tratam de hipóteses artísticas para explicar fenómenos do mundo natural (sobretudo os respeitantes à luz, à cor e à sensação visual), mas de objectos (localizados entre a imagem fixa e em movimento) que aguçam a percepção do espectador para as zonas mais sensíveis das imagens. As quais não são entendidas como unidades fechadas de sentido, mas como qualquer coisas que ainda está em processo, intrinsecamente incompletas e cuja completude só é atingida através da atenção daqueles que as vêem.
Estas considerações vêem a propósito da última exposição de Alexandre Estrela. O trabalho deste artista não se pode dizer ter um campo de especialidade ou acção, mas existe um fio condutor em todas as suas peças. Atravessa-as uma consciência profunda da natureza da constituição da imagem: incompleta, espectral e nunca objecto completo. Quando confrontados com os seus vídeos ou fotografias o espectador tem de abandonar o conforto de um ponto de vista que acredita estar formado e completo. As realidades perceptivas com que se é confrontado exigem (e trata-se sempre de uma exigência) um jogo em que às faculdades do sentir se aliam uma espécie de excitação das forças da inteligência. O esforço é o de preencher o espaço em aberto que fica entre os fragmentos que das imagens de Estrela constrói.
Um bom exemplo é a projecção “Fotossíntese” (2007). Trata-se da projecção de um slide de uma planta à procura de luz. Ao longo do tempo a imagem vai-se tornando menos nítida, um processo de erosão sublinhado pela temperatura que a parede tem. Este desvanescimento é compensado pela conquista de calor e luz. O paradoxo é evidente: se a luz pode ser fonte de crescimento, também pode ser elemento de aniquilação. Em termos visuais o paradoxo traduz-se na máxima que a visão é um ponto feito de claridade e escuridão, uma acção que acontece entre dois momentos de cegueira: a máxima luminosidade e a escuridão impenetrável.
Estes exercícios de visão que o artista propõe não são truques ou conquistas de efeitos espectaculares, mas gestos que se destinam a compreender as estruturas internas do acto de visão e da formação da camada visível das coisas. Claro que a mediação da tecnologia (presentes sobre a forma da manipulação das imagens) é um outro dado incontornável desta exposição. Por isso em “Light bridges” (2007) acontece uma espécie de trompe l’oeil entre as pontes, aparentemente iguais, de S. Francisco e de Lisboa. A transição entre elas é feita lentamente e a posição do sol (que pode ver-se como simbolizando o ponto de vista humano) é a mesma. O movimento, adensado por um ténue som, não se sabe se pertence à imagem se aos olhos daquele que vê. É-se assim obrigado a uma acção de desvelamento dos diferentes ingredientes de que é composto o movimento.
O primeiro trabalho apresentado nesta exposição (“O princípio”, 2005) é também a premissa que todo o trabalho de Estrela desenvolve: toda a imagem é um acontecimento da luz. Mas note-se que não está em causa a elaboração de uma hipótese que os trabalhos do artista, laboriosamente testam, experimentam e comprovam. Mas é um dado da arqueologia do campo de visão humano.
Trata-se de uma exposição exemplar por se poder assistir a um aprofundamento do campo de pesquisa do artista e ao desenvolvimento de uma linguagem própria de que os novos trabalhos, agora apresentados, são momentos axiais.
No comments:
Post a Comment