Que as imagens têm o poder de minizar a nossa dor e de acalmar a imaginação, quando se corre um risco, é qualquer coisa que desde sempre se sabe: o conceito antigo de catarse prova-o. Por vezes essa sorte cabe a certos objectos, que se transformam em talismãs e permitem desatar nós internos: aqueles que sentem no peito ou no coração, nunca na cabeça – a estes nós podemos chamar medos, angústias, sensações estranhas com que se quer saber lidar e dominar.
Noé Sendas tem medo de aviões, dos barulhos, das hélices, de estar no céu: coisas pouco apropriadas a um corpo terreno para quem a Terra é a condição da existência. À ascensão associa-se a queda, o despenhamento numa terra desconhecida que só os poderes invisiveis, e misteriosos, do destino conhecem e antecipam. Tudo se passa como num fado onde a elevação da voz anuncia o seu rápido desaparecimento: a partir de determinada altura sabe-se que o que se segue é unicamente a desaparição, a queda. Um esquema sentimental de reenvios e transformações das regiões espaciais que determinam o olhar: o cima e o baixo, a elevação e a queda.
Fixar esta regiões de temores e excitações numa imagem é matéria da arte e resulta na construção de um sentido que se atribuí a determinadas evidências ou, se preferirmos, iluminações: porque, afinal, dar-se conta que se tem um medo é aprofundar o conhecimento da própria intimidade.
Com o fado passa-se o mesmo, só que a imagem que constrói é feita de sons: uma imagem vocal plena de associações a locais profundos na intimidade de cada um – àqueles sítios onde se sentem os medos. Uma descida, a que corresponde igualmente uma subida, entendida como viagem aqui por um território cujos limites não são possíveis de fixar rigorosamente: são os limites da própria vida. Este é o núcleo central dessa expressão a que chamamos fado.
Noé Sendas entende o fado não enquanto estrutura pictórica, formal ou material, mas sim como modo evocativo dos elementos que doutro modo ficam escondidos e inecessiveis. O medo surge como categoria estética – lembrem-se alguns fados que possuem esta mesma estrutura – e encontrar uma imagem que lhe corresponda é uma tarefa sempre incompleta: nunca nenhuma imagem lhe poderá corresponder inteiramente, são sempre tentativas de mediação ou, melhor, de domesticação. Esta estratégia de não anular o medo, mas de tornar possível a convivência com ele é o que faz o artista. Não se trata de uma distracção ou do gesto de quem, propositadamente, quer ignorar um sentimento. Aquilo que anima este azulejo de Noé Sendas é o processo, dinâmico e sempre incompleto – nunca se sabe quando, e se, a hélice do avião vai parar, se a gota de água vai cair – de dar uma forma à suspeita de que qualquer coisa pode acontecer e, por isso, o melhor é tomar atenção a qual se transforma em gesto, em acção, em movimento.
Noé Sendas tem medo de aviões, dos barulhos, das hélices, de estar no céu: coisas pouco apropriadas a um corpo terreno para quem a Terra é a condição da existência. À ascensão associa-se a queda, o despenhamento numa terra desconhecida que só os poderes invisiveis, e misteriosos, do destino conhecem e antecipam. Tudo se passa como num fado onde a elevação da voz anuncia o seu rápido desaparecimento: a partir de determinada altura sabe-se que o que se segue é unicamente a desaparição, a queda. Um esquema sentimental de reenvios e transformações das regiões espaciais que determinam o olhar: o cima e o baixo, a elevação e a queda.
Fixar esta regiões de temores e excitações numa imagem é matéria da arte e resulta na construção de um sentido que se atribuí a determinadas evidências ou, se preferirmos, iluminações: porque, afinal, dar-se conta que se tem um medo é aprofundar o conhecimento da própria intimidade.
Com o fado passa-se o mesmo, só que a imagem que constrói é feita de sons: uma imagem vocal plena de associações a locais profundos na intimidade de cada um – àqueles sítios onde se sentem os medos. Uma descida, a que corresponde igualmente uma subida, entendida como viagem aqui por um território cujos limites não são possíveis de fixar rigorosamente: são os limites da própria vida. Este é o núcleo central dessa expressão a que chamamos fado.
Noé Sendas entende o fado não enquanto estrutura pictórica, formal ou material, mas sim como modo evocativo dos elementos que doutro modo ficam escondidos e inecessiveis. O medo surge como categoria estética – lembrem-se alguns fados que possuem esta mesma estrutura – e encontrar uma imagem que lhe corresponda é uma tarefa sempre incompleta: nunca nenhuma imagem lhe poderá corresponder inteiramente, são sempre tentativas de mediação ou, melhor, de domesticação. Esta estratégia de não anular o medo, mas de tornar possível a convivência com ele é o que faz o artista. Não se trata de uma distracção ou do gesto de quem, propositadamente, quer ignorar um sentimento. Aquilo que anima este azulejo de Noé Sendas é o processo, dinâmico e sempre incompleto – nunca se sabe quando, e se, a hélice do avião vai parar, se a gota de água vai cair – de dar uma forma à suspeita de que qualquer coisa pode acontecer e, por isso, o melhor é tomar atenção a qual se transforma em gesto, em acção, em movimento.
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