quando as imagens deixam de ser imagens e são como vida, matéria igual a nós - quando entre as imagens e o real se podem fazer transições e a imagem surge como modelo da realidade que partilha com esta a intimidade e a carne, o peso e a graça, a leveza da ascenção e a atracção pelo peso da terra. Só o real pode ser o museu da vida, só a vida apresenta a vida - por isso as obras de arte significativas não são arte, mas vida - ou, como diria Goethe, coisas mortas porém excelentes.
A zona da grande confusão: os prolongamentos da arte na vida e da vida na arte.
Pense-se na máquina diabólica de Morel - ou será a máquina redentora? A fotografia adensa os substitutos e as duplicações do real.
Para pensar:
"Estive a ler os papéis amarelos, Descubro que distinguir através de ausências - espaciais ou temporais - os meios de as superar, dá lugar a confusões. Seria preciso dizer, talvez: meios de alcance e meios de alcance e retenção. A telefonia, a televisão, o telefone, são, exclusivamente, de alcance; o cinematógrafo, a fotografia, o fonógrafo - verdadeiros arquivos - são de alcance e retenção.
Todos os aparelhos de suprir ausências são, pois, meios de alcance (antes de ser a fotografia ou o disco, é preciso tirá-lo, gravá-lo).
Seja como for, não é impossível que toda a ausência seja, em última análise, espacial ... Numa ou noutra parte hão-de estar, sem dúvida, a imagem, o contacto, a voz, dos que já não vivem (tudo se perde...).
Fica assim insinuada a esperança que investigo e pela qual hei-de ir à cave do museu, para olhar as máquinas.
Pensei dos que já não estão vivos: um dia pescadores de ondas hão-de reuni-los, de novo, no mundo. Tive ilusões deu próprio vir a alcançar alguma coisa. Inventar, talvez, um sistema de recomposição das presenças dos mortos. Quem sabe se não poderia ser o aparelho de Morel com um dispositivo que o impedisse de captar as ondas dos emissores vivos (mais acentuadas, sem dúvida).
A imortalidade poderá germinar em todas as almas, nas decompostas e nas actuais. Mas, ai!, os mortos mais recentes proporcionar-nos-ão um bosque remanescente tão denso como os mais antigos. Para formar um só homem já desconjuntado, com todos os seus elementos e sem deixar entrar nele qualquer elemento estranho, será necessário possui-se o paciente desejo de Ísis quando reconstruiu Osíris.
A conservação indefinida das almas em acção está garantida. Ou, melhor dizendo: estará completamente garantida no dia em que os homens entendam que, para defenderem o seu lugar na terra,lhes convém pregar e praticar o malthusianismo."
in Adolfo Bioy Casares, A Invenção de Morel (trad. Miguel Serras Pereira), Antígona
A zona da grande confusão: os prolongamentos da arte na vida e da vida na arte.
Pense-se na máquina diabólica de Morel - ou será a máquina redentora? A fotografia adensa os substitutos e as duplicações do real.
Para pensar:
"Estive a ler os papéis amarelos, Descubro que distinguir através de ausências - espaciais ou temporais - os meios de as superar, dá lugar a confusões. Seria preciso dizer, talvez: meios de alcance e meios de alcance e retenção. A telefonia, a televisão, o telefone, são, exclusivamente, de alcance; o cinematógrafo, a fotografia, o fonógrafo - verdadeiros arquivos - são de alcance e retenção.
Todos os aparelhos de suprir ausências são, pois, meios de alcance (antes de ser a fotografia ou o disco, é preciso tirá-lo, gravá-lo).
Seja como for, não é impossível que toda a ausência seja, em última análise, espacial ... Numa ou noutra parte hão-de estar, sem dúvida, a imagem, o contacto, a voz, dos que já não vivem (tudo se perde...).
Fica assim insinuada a esperança que investigo e pela qual hei-de ir à cave do museu, para olhar as máquinas.
Pensei dos que já não estão vivos: um dia pescadores de ondas hão-de reuni-los, de novo, no mundo. Tive ilusões deu próprio vir a alcançar alguma coisa. Inventar, talvez, um sistema de recomposição das presenças dos mortos. Quem sabe se não poderia ser o aparelho de Morel com um dispositivo que o impedisse de captar as ondas dos emissores vivos (mais acentuadas, sem dúvida).
A imortalidade poderá germinar em todas as almas, nas decompostas e nas actuais. Mas, ai!, os mortos mais recentes proporcionar-nos-ão um bosque remanescente tão denso como os mais antigos. Para formar um só homem já desconjuntado, com todos os seus elementos e sem deixar entrar nele qualquer elemento estranho, será necessário possui-se o paciente desejo de Ísis quando reconstruiu Osíris.
A conservação indefinida das almas em acção está garantida. Ou, melhor dizendo: estará completamente garantida no dia em que os homens entendam que, para defenderem o seu lugar na terra,lhes convém pregar e praticar o malthusianismo."
in Adolfo Bioy Casares, A Invenção de Morel (trad. Miguel Serras Pereira), Antígona
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