Sunday, October 14, 2012

Paulo Nozolino: repetir o medo e a história,


A repetição do medo e da história 

Os trípticos de Paulo Nozolino

A exposição de Paulo Nozolino "Usura", comissariada por Sérgio Mah, reúne  até finais de Janeiro de 2013 um conjunto de nove trípticos realizados pelo artista entre 1994 e 2008. As imagens foram feitas em sítios tão diferentes como Lisboa, Porto, Nova Iorque, Bucharest ou Auschwitz e é a primeira vez que são apresentadas em conjunto.

O mote é dado pelo poeta Ezra Pound e pelo seu canto XVL sobre a Usura como pecado contra a natureza, “CONTRA NATURAM” escreve o poeta. A usura impossibilita a pintura e a poesia, mas também dá ranço ao pão, oxida o cinzel, corrói os fios no tear, destrói todos os ofícios e mata os filhos nas entranhas. Seguindo o poeta, pode dizer-se que a usura não só destrói o mundo, mas impossibilita a vida e impede o pensamento. E é sobre a impossibilidade de um mundo tornado “usura” que os trabalhos de Nozolino se podem pensar.

Não se trata de comentar, registar ou guardar as coisas provocadas pela “usura”, mas tornar compreensível e integrar na cultura (sinónino da compreensão) as feridas, a maior parte das vezes sem cura, infligidas em nome da usura. Nem se trata de um grito de revolta, mesmo que se tratem de trabalhos animados por uma voz inconformada, ou de propor uma nova moral, ainda que se reconheça um conjunto e uma hierarquia de valores. Trata-se, sobretudo, de partilhar uma dor, combater a cegueira e, fundamentalmente, mostrar o modo como incessantemente a história se repete e o abismo para onde se está atirado se afunda mais a cada conflito, a cada injustiça, a cada dor.

Repita-se: as fotografias de Nozolino não são um comentário à história ou ao estado do mundo. Ainda que a exposição comece com a evocação do massacre do povo judeu às mãos dos nazis, passe pela invasão do Iraque, pela morte de Saddam Hussein, pelo drama da emigração, pelas consequências irremediáveis do desastre de Chernobil e pela alienação desumana dos funcionários de camisa branca em Tóquio. Mas as suas imagens não são sobre factos mundanos, nem tentam um novo sentido para a história. Nem é certo que exista uma intenção única como motor destes trabalhos. Nozolino fotografa como quem escreve sobre o que vê, são descrições precisas e duras (porque nada metafóricas) do que vai vendo nas suas viagens. Umas são feitas pelo mundo exterior, outras pelo mundo que está dentro da sua cabeça: a imagem do tríptico “Pandora’s box” em que aparece um retrato de Saddam Hussein pousado sobre uma tábua do Corão foi feito em Portugal, mas podia ter sido feito no Iraque. Colocar tudo isto em conjunto não significa desenvolver uma tese ou construir um pensamento político (ainda que cada imagem contenha toda a política), mas estabelecer um inquietante paralelismo entre todos aqueles factos, todas aquelas pessoas e todo aquele sofrimento. Mostrar o modo como todos estes factos estão ao mesmo nível tem consequências profundas para a história, porque é mostrar, muito à maneira de Pound, o modo como para lá das diferenças políticas, dos diferentes desastres e dos diferentes tempos, o abandono, o medo, a solidão e a morte são sempre os mesmos.

Tratam-se de imagens acerca das quais não adianta falar do domínio do aparelho fotográfico, da exemplar produção, impressão ou montagem, ainda que sejam tecnicamente exemplares. Importante é o modo como castigam quem as vê. E castigam porque são belas e seduzem e são motivo de muito prazer. Este é o seu paradoxo: a dureza e aflição apresentadas não obrigam a desviar o olhar, mas pedem uma contemplação demorada na qual se vê beleza e se sente prazer. Sentir prazer com o medo e a aflição do outro (que também somos nós) é, como disse o poeta Goethe, o luxo supremo da arte e, neste sentido, os trípticos de Nozolino são luxuosos.

A obra de Nozolino é um pensamento não cristalizado, mas corresponde a um permanente esforço de lucidez. Não é pensar através das imagens e ver através da máquina, mas compor/formar um pensamento sobre a história usando as imagens e as máquinas. Esta diferença longe de ser retórica é essêncial e com ela aprende-se que a diferença entre os diferentes modos de pensar (e pensar com as palavras é diferente de pensar com a fotografia, e pensar com a fotografia é diferente de pensar com a pintura, a escultura ou o cinema) é uma diferença de grau e de meios de aproximação e não uma questão de profundidade ou alcance. Neste sentido, pode dizer-se que as imagens de Nozolino são um pensamento acerca do modo como a história do sofrimento e do medo, que a uns mata e a outros mantém despertos, se está sempre a repetir.

1 comment:

Anonymous said...

http://rheinsprung11.unibas.ch/ausgabe-05/dialog.html